O dia amanheceu cinza. Pela primeira vez não acordava com os raios de sol entrando por sua janela. Havia dormido muito tarde no dia anterior. O sono e o tempo nublado desanimaram Victor. “Mais um dia estressante!”, lamentou ele.

30 minutos se passaram desde que Victor acordara. Um banho quente, um suco de laranja e um misto. Estava pronto pra encarar a rotina. “Livro ou MP3?”. Já prevendo a demora rotineira pra se deslocar de casa para o serviço, qual seria sua companhia era a dúvida que pairava no ar. Olhou mais uma vez pela janela e concluiu que ler no estado em que se encontrava, era um calmante que o faria dormir.

No ponto de ônibus o desafio era escolher o que escutar. O aparelho abarrotado de musicas de sua preferencia era manuseado sem dó. “Uma musica que combine com o clima ou uma musica pra tentar alegrar o dia que parece ser complicado? Moveis Coloniais de Acajú! Ta escolhido. Começando por “Descomplica” pra me animar a encarar o dia. É isso!”

Quem estava ao seu lado percebia a boa escolha. Victor sacolejava o corpo de uma forma que ele achava que ninguém perceberia. Enganado por si mesmo e viajando na música, esqueceu de todos a sua volta e começou a cantarolar a música: “Sem ter luz ou luar, seja o brilho que for te guiar só pra cá meu amor…”

O ônibus virou a esquina. Parecia um milagre que não estivesse tão cheio assim. Procurou se acomodar no fundão, já que desceria no último terminal. Ao caminhar pra lá notou um lugar vazio. Se apressou para assentar sem perceber quem estava acomodado ao seu lado. Após se ajeitar na poltrona ficou estasiado pelo perfume envolvente que encontrava suas narinas. Como numa cena de filme, os olhares de Victor e de uma delicada garota se encontraram. Os olhos dele pareciam pulsar ao notar o belo olhar da garota ao seu lado. Os lábios carnudos, os cabelos negros e lisos e a pele reluzente com um tom de palidez sobrenatural. Encantado, Victor demorou a retribuir o sorriso vindo por parte da garota. Balbuciou algumas palavras que não encontraram os ouvidos dela, pois também estava a escutar alguma coisa em seu aparelho celular.

Victor olhou pra si. “Seria indelicado ficar 30 minutos sem ao menos tentar um papo ou o sorriso dela pra mim foi apenas gentileza? Quem era ela? De onde ela surgiu?”

Sem saber o que falar, e recolhido em sua timidez, decidiu nem abrir a boca. Uma infinidade de coisas passava por sua cabeça. A maior delas era saber o que ela estava ouvindo. O vício em musicas era exagerado ao extremo, fazendo com que ele taxasse uma pessoa pelo seu gosto musical. “É o cumulo do preconceito!” Reconhecia. Essa mania aliada a sua timidez afastava Victor das pessoas. “Ela tem cara de quem curte Britney Spears. Lady Gaga talvez? Madonna? Amy Whine House?! Menos mal se fosse Adelle. Mas ela pode gostar de musica brasileira. Olha a sandália dela? Se tivesse de saia rodada e uns penduricalhos artesanais pelo corpo eu chutaria o Los Hermanos ou a Maria Rita, sei lá. Nossa já pensou? Ela seria perfeita. Compreenderia meus lampejos musicais “a lá Marcelo Camelo.” Mas essa saia Jeans nem longa nem curta desmistifica isso. Será que é Wanessa Carmargo? Kelly Key? Nossa, mas fazer o quê, ninguém é perfeito né. Ela também não! Se fosse Ana Cañas, Maria Gadu ou até Maria Betânia não seria nada mal. Sofisticado até. Mas que merda! Por que eu tenho essa mania? Que coisa besta associar a personalidade de uma pessoa as coisas que ela escuta? Nem passa pela minha cabeça o funk. Será? Será que ela esta ouvindo aquele grupo que meu vizinho escuta, como é mesmo o nome? Ah é, Gaiola das Popozudas. Meu Deus. Seria um pesadelo. Pelo menos assim quem sabe seria mais fácil leva-lá pra cama.”

Tinha certeza que toda mulher que se entregava a tribo do funk era mulher de vida fácil para os caras. Mesmo tendo ouvido de muitas pessoas que isso é preconceito, e que não é bem assim, Victor não conseguia compreender o gosto musical das outras pessoas. “Todos deveriam ter o mesmo gosto musical que o meu. Aí sim saberiam o que é música boa.”

Olhou de relance para ela e percebeu que estava mexendo no aparelho. “Deve ta escolhendo outra musica. Olha a fixação dela pelo aparelho. Vai colocar sertanejo. Certeza. Nossa deve ser daquelas melodramáticas ao extremo que chora por um amor do passado até hoje. E ele pisa nela. Deve chorar e ligar pra ele o dia todo. Se ao menos o celular dela tocasse eu descobriria pela musica do toque o que ela gosta. Seria NxZero? O rímel nos olhos talvez seja uma amostra da faceta EMO que ela tem medo de mostrar. Se fosse EMO não sorriria pra mim. Choraria falando que iria se matar. Credo! Mas como eu sou pessimista. Quem sabe ela ta ouvindo chico? Vish, mas qual Chico? Se for o Science ela deve ser daquelas que antes de dormir da um tapa no baseado, alegando a liberdade para todos. Na maior vibe aí.” Viajando em seus pensamentos, Victor nem prestava atenção mais em qual musica seu aparelho tocava.

“Meu Deus, devo perguntar o que ela ta ouvindo? Ela encostou a cabeça no vidro agora. Vai chorar. Será que ela ta ouvindo rock? Se for, com essa cara é Silverchair. Ela vai chorar jajá! To quase oferecendo meu mp3 a ela emprestado. Assim ela analisaria o que eu gosto e poderia se empolgar comigo… ou não! Ela nem ta prestando atenção em mim. Eu to ficando maluco. Mas pensa bem, maluca deve ser ela. Deve ta ouvindo Lu Alone ou Restart. Com essa cara de choro é certeza.”

– Com licença?
– Toda

A garota se levantou e se despediu com um tchau tímido
Victor sem reação não disse nada e apenas acompanhou a caminhada da garota até ela descer do ônibus Victor se sentiu um incapaz. Olhou pro relógio e percebeu que se passaram 20 minutos de martírio pra tentar descobrir o que ela ouviu. Talvez um “Oi como vai” resolve-se tudo e agora, ele estaria indo pro trabalho com o telefone de uma garota linda. Mas a mania besta de avaliar as pessoas pela musica que ela ouve o fez perder uma grande oportunidade.

A maior delas? Descobrir que aquela garota vai além do som que aqueles fones ecoam.