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Porque não eu?

– Rock’n roll baby!
Eram 03h30m da madrugada e Terence encerrava o show da sua banda. A platéia, pouco mais de 150 pessoas, gritava a espera de um bis. A banda já estava esgotada. 2h de pura energia, guitarras distorcidas, gritos descontrolados e efusivos vindo de todos os cantos. O PUB estava lotado. Os “DogsBrothers” haviam emplacado de vez. Terence atingia seu sonho de criança. Era lançamento do CD debut da banda. O show era apenas para convidados selecionados através de campanhas no Orkut.
– Água?
– Vodka, por favor.
– Ta animado em Terence?!
– Muito, você não tem idéia. Cadê a Clara?
– Não sei não a vi por aqui hoje.
– Estranho, ela me ligou eu estava entrando no palco. Disse que estava na porta e que ia curtir o show com umas amigas.
– Ela não passou pelo bar.
Clara era a paixão de Terence. Desde que ele se mudou da sua pacata cidade no interior de Minas para tentar a sorte com a música aos 16 anos na cidade grande, nunca conheceu ninguém como clara. O curioso é que Clara era uma morena dos cabelos cacheados. Seu nome não traduzia o que se via. De estatura média, curvas perfeitas, cabelo liso, olhos castanhos, como uma índia. Parecia que fora esculpida. Era perfeita. Mas Clara considerava Terence apenas um amigo. Ficava toda feliz por saber que um cara como ele era apaixonado por ela. “Um cara singular como você não se encontra todo dia”, dizia ela. Mas ela não dava o braço a torcer. “Você é um grande amigo Terence”. Enfatizava Clara. Mas Terence não se dava por vencido. Os amassos de vez em quando não eram suficientes para deixá-lo satisfeito. Ele queria mais. Queria que ela fosse a mãe dos seus filhos. Nem o fato de Terence ser o “frontman” de uma banda que despontava rumo à fama e um futuro musica brilhante, de ter olhos verdes, ser muito estiloso e arrancar suspiros de algumas adolescentes fazia Clara mudar de idéia. Ela gostava do cara simples que conheceu na padaria ao lado da sua casa, com cara de perdido, sem saber o que fazer, tomando um suco de laranja e olhando pro nada apenas para espairecer.
– Que onda, o celular dela ta desligado. Onde essa mulher se meteu?
A possibilidade de estar se divertindo com outro cara ecoava na mente de Terence. Não queria crer que isso era possível. Mas isso era muito provável. Clara era livre pra fazer o que quiser. Sempre aceitou isso, mas não digeriu jamais.

“Viver sem você aqui…”

Terence acordou assustado. Seu celular tocava insistentemente.
– Alô Clara?
– Me ajuda, por favor. Anda Terence me ajuda, por favor. Preciso de você aqui. – Berrava Clara do outro lado da linha.
– Calma Clara, cadê você? Fala comigo!
– Me ajuda… – Chorava. – To na Alameda das Palmeiras…
– Fica ai que chego em instantes.
Pensou em chamar um Taxi, mas as 5h da manhã não avistava nenhum pela frente. Percebeu que tinha dormido no sofá do camarim do PUB, tentando ligar pra Clara. Saiu correndo em disparada. Tudo passava pela sua cabeça. Nada concretizava de fato. Foram 15 minutos de muita correria, suor, apreensão e lagrimas. Clara era o amor da sua vida, não iria se perdoar se algo acontecesse a ela.
Encontrou Clara caída na esquina. Seu rosto sangrava, sua blusa estava rasgada. A face pálida e ensanguentada de Clara não embaçava sua beleza. Ligou pra uma ambulância enquanto ela balbuciava algumas palavras:
– Foram eles… Foram os…
– Foram quem clara? – quase nada se ouvia.
O silencio da madrugada era apavorante.
– Fala Clara? Fala comigo, por favor…
Clara tentava, mas acabou desmaiando.
– Terence, Terence…
– Oi meu bem…
– O que aconteceu?
– Você está bem?
– Não me lembro de quase nada.
– Quem fez isso com você?
– Quer mesmo saber?
– Não vou deixar barato com quem fez essa sacanagem com você…
– Mas e o seu sonho?
– Que sonho?
– A banda…
O esforço de Clara para falar é nítido…
– O que tem os caras?
– Foram… Foram… Eles!
– Oi? Clara, dorme, é o remédio, você esta variando.
– Não, não estou.
Clara dormiu novamente. O silencio daquele quarto de hospital cortou a alma de Terence. O que tinha a banda? Quem fez isso com Clara? Perguntas sem respostas invadiam sua mente.
Já fazia mais de 15h desde que havia encontrado Clara caída no chão. Sequer arredou o pé dali. Queria ter a certeza de que Clara estava bem.
– Você está bem Clara?
– Agora sim. Já estou bem melhor. Meio dolorida ainda. Que horas são?
– 21h10m.
– Você esteve aqui o tempo todo?
– Não arredei o pé.
– Você é um amor.
Um sorriso acanhado surgiu nos lábios de Terence.
– Tem uma coisa que você precisa saber. Eu o e Marcos estávamos tendo um lance.
– Como é que é? Você estava saindo com o baterista da minha banda as escondidas? Por que isso agora? Você sabe que sou louco por você, nunca te escondi isso, e sempre aceitei suas escolhas por te considerar uma amiga, e você saindo com um cara que se dizia meu amigo, que ouvia meus lamentos por você, que sabia muito de você por minha causa, e que se aproveitou disso, tudo as escondidas de mim? Porque isso agora? Os 2 me fazendo de otário enquanto eu me declarava pra você e lamentava mais uma tentativa frustrada com ele, e vocês dois se pegando?
– Não fala assim Terence. Rolou apenas isso. Quando a gente viu já estava envolvidos. O pior não é isso…
– Vocês transaram?
– Antes fosse…
– O que é então? – A fúria de Terence era nítida em seus olhos. A raiva pulsava em seu peito. Sentiu-se o “último biscoito do pacote”, mas ainda sim não conseguia odiar Clara.
– Depois do show, o encontrei e com os meninos da banda na porta. Entrei na van, e fomos dar um role. Perguntei por você e eles disseram que você iria demorar, pois estava acertando o cachê do show e agendando um próximo. Dando entrevistas, essas coisas que você adora fazer. Fomos ao Wakasan, tomar umas. No meio do caminho eles pararam o carro. Era nítido que estavam muito drogados. Marcos tentou tirar minha blusa, não deixei, quando percebi todos os 4 estavam em cima de mim. Me xingavam e diziam que eu você era um gay, por esperar por uma garota por tanto tempo. Falaram que iam me fazer de objeto deles. Tentei me defender. Eles me espancaram e tentaram. Ai um cara caiu de moto ao lado do carro. Eles se assustaram me jogaram para fora e foram embora. O motoqueiro estava bêbado, nem me viu, se levantou e foi embora. Te liguei e o resto da historia vocês já sabem
Terence ouvia tudo aquilo incrédulo. Não acreditava que os caras que ele queria passar o resto da sua vida musical fossem canalhas a esse ponto.
– Acabou. To fora. Não quero viver de música nunca mais. Isso acabou com a minha vida. Faz 3 anos que não vejo minha mãe. Meu pai nem olha na minha cara. Ele não acreditava em mim. Tudo o que estava acontecendo era uma resposta a ele. Ia mostrar que eu podia. Ele iria se aproximar de mim novamente e reconhecer que estava errado. Mas agora já era. Eu não acredito mais no mundo. Ninguém aqui presta. Tudo farinha do mesmo saco.
– Não fala assim… – interrompeu Clara.
– Falo, falo. Quero se que foda todo mundo. Eu me perdi em você Clara. Você atraiu meus amigos mais sacanas. Traiu minha amizade. Não deu valor ao meu amor. To sozinho de novo. Vá pro raio que o parta!

O metrô estava lotado. – Devia ter ido de taxi – não podia se atrasar. Que oportunidade. Terence lembrava como o mundo deu voltas em 3 anos. Desde que tivera aquela briga com Clara, o rompimento com a banda, o sucesso jogado fora, o dinheiro perdido e os perrengues pra se sustentar, aquela era sua melhor oportunidade.
– Como será que ela está? – Lembrava com saudades de Clara. Mas seu orgulho não o deixava se aproximar. Nunca mais a viu.  Os “DogsBrothers” continuaram a banda. Outro vocalista assumiu. Eles venceram um festival após perder o contrato com a banda, mas o escândalo de uma nova tentativa de aventura sexual ilícita fez com que a banda perdesse ibope.
– Alô você que está ligadinho na 97,5 Mix FM. Eu sou Josi Tibet e estou aqui para apresentar a parada musical mais bombante das suas manhãs. E com uma presença ilustre no quadro “Eu aposto”. Fique agora com a nova canção do Foo Fighters que eu já volto.
– Bom Terence a parada é simples. Vou te fazer algumas perguntas e pedi pra que você toque algumas musicas com seu violão. O telefone o e-mail estarão abertos para quem quiser participar ok?!
A saudade de Clara nunca esteve tão latente como naquele dia. Sempre quis a procurar, pedir desculpas por ter sido tão rude com ela. Mas teve medo de ser rejeitado.
– Galerinha do bem, hoje eu estou aqui com Terence Bastos. Lembram dele? Ele foi o primeiro vocalista dos “DogsBrothers”. Talentosíssimo. E aí Terence, ninguém sabe ao certo porque a banda terminou depois que vocês fizeram aquele sensacional show de lançamento do CD. Fala um pouco para nós.
– O relacionamento da banda não era o mesmo. Não rolava mais cumplicidade ali. Tudo daria errado se continuasse. A pressão era grande. Eu precisava de um tempo, e foi o melhor caminho a ser seguido.
– Ih que resposta extremamente política a sua. Falou, falou, falou e não falou nada. Mas tudo bem deve ser algo que te incomode falar. Mas diz ai, por onde tem andado?
– Eu parei com a carreira depois que saí da banda. Precisava de um tempo mesmo. Voltei pra casa na minha terra natal, reencontrei a família, antigos amigos e busquei forças novamente pra recomeçar. Já fez 3 meses que voltei, to fazendo alguns barzinhos e ta sendo legal a receptividade da galera que me conhecia antes. Agora é um “violão e algumas canções pra mostrar”.
– Você tem alguma musa inspiradora?
– Tenho sim. Na verdade ela é a maior responsável pela minha volta. Ela que sempre me apoiou aqui na cidade grande. Eu não podia desistir. Faz muito tempo que não a vejo. Espero que ela esteja bem.
– Pode falar o nome dela?
– Se importaria se eu não dissesse?
– Fique a vontade. Bom temos a primeira ligação. Alô, quem fala?!
– Alô.
– Qual seu nome e de onde fala?!
– Posso falar com o Terence?
– Mas a ligação é justamente pra isso, só que nos queremos te con…
– Eu queria te dizer que eu sempre te amei.
Aquela voz não era estranha. Terenceu gelou por dentro. Amanheceu pensando nela, as primeiras perguntas da entrevista tinham ligação com ela, à saudade apertava cada vez mais. Parecia um toque de telepatia. Era ela. Tinha certeza.
– Eitaaa, mais uma daquelas fãs declaradas que…
– Me perdoa. Eu precisei te perder pra poder ter certeza que sempre foi você. Eu te esperei por todo esse tempo. Lembra da musica que você fez pra mim? “Onde você estiver meu coração vai estar, batendo por você, sempre a te esperar”. Ela traduz o que eu quero dizer.
– Espera ai que não to entendendo nada. Ela liga pra cá e faz uma declaração de amor, como se conhecesse o cara, ele aqui do meu lado sem expressão, incrédulo e… chorando?
– Eu sei que errei, mas ainda da tempo de consertar. Eu quero consertar.
– Eu também te amo Clara. Sempre te amei você é tudo pra mim. Eu sonhava com o dia que te encontraria de novo. Mas onde você está?
– To morando no Rio. Escutava essa radio sempre quando morava em São Paulo. Não sei o porquê, mas hoje deu saudades de casa, e resolvi escutar pela internet pra me sentir um pouco mais próxima daí. A minha surpresa foi ouvir você na radio, dizendo que está de volta. Te procurei por meses e não te achei. Estou muito feliz, vou pedir demissão do meu emprego e estou indo pra casa agora. Não dá pra viver longe de você.
– Não vejo a hora, to te esperando… Sempre estive… E estarei o quanto for preciso!

Uma bebida e um amor.

– Por favor, 2 doses de whisky, sem gelo.
– Ta esperando alguém?
– Antes estivesse… Faz o seguinte, da logo a garrafa de uma vez.
– Eta, isso tudo é fossa? Dia dos namorados, sozinho…
– Antes fosse. Mudei de idéia, gelo, por favor.
– Seu pedido é uma ordem senhor. Mais alguma coisa?
– Queria ela de volta… Apenas isso!
– Hum, mas existem tantas outras por aí?!
– Não como ela; não mesmo.
– Você a amava neh?!
– Como nunca amei outro alguém. Todo dia dos namorados era a mesma coisa. Trocávamos chocolates, já era tradição. Depois a gente saia, pegava um cinema, um barzinho, musica ao vivo, beijos apaixonados e uma noite de amor que nunca tive igual. Detesto rotina, mas a dela era adorável.
– Primeira vez que passa sem ela?
– Segunda. E mais uma vez, comi chocolate sozinho, fui ao cinema sozinho, to enchendo a cara sozinho, depois de bêbado, vou escutar qualquer porcaria e ter uma noite de amor com as minhas mãos. Tudo em homenagem a ela.
– Mas porque ela te deixou?
– Ela morreu!
– Lamento.
– Relaxa.
– Mais uma garrafa?
– Já acabei com uma?
– Sem ver…
– 2 garrafas me tirariam a culpa?
– Culpa?
– Eu a matei!
– Hum?!
– Faz dois anos exatamente. Rotineiramente após nos amar, eu bebi de uma forma exagerada. Tava com um peso na consciência enorme. Eu tinha outras. Há três meses eu a traía com várias. Estava mal, me sentindo um merda, e ela dizendo que me amava. O álcool foi meu escape naquela noite pra manter o fingimento. Saímos do motel, ela estava radiante, disse que a rotina de 10 anos sofreria uma mudança drástica. No próximo ano as coisas não seriam mais da mesma forma. Eu surpreso não entendia nada. Por que ela guardava tanto segredo e fazia tanto mistério? Ela queria chegar em casa pra me dar o maior presente que um homem poderia receber. Por dentro eu queimava de remorso. Na noite anterior eu mentia pra uma outra qualquer, enquanto ela satisfazia meus desejos carnais absolutamente controláveis. Mas não, a sensação de estar no erro me causava uma adrenalina excitante. Estava ficando “viciante” aquilo tudo, e eu sem perceber estava perdendo o que mais importava pra mim: Ela! Filho da puta. É isso que eu fui. Eu a amava, eu sabia disso, mas naquela noite não tive coragem de dizer isso pra ela. Num misto de culpa, arrependimento e álcool, não percebi e avancei um sinal. Bati forte em uma carreta que atravessava o cruzamento. Ela morreu na hora. Eu apenas quebrei o braço. Mas minha alma estava destruída ali. Morreu com ela. Eu a matei.
– Mais bebida senhor?
– Ela estava grávida.
– Putz…
– Essa era a surpresa. Canalha filho da puta.
Um mórbido silêncio invadiu o boteco. Ele era o único na Cia do dono do bar.
– Quanto deu?
– A de hoje vai ser por conta da casa. Aprendi muito com você.
– Como?! Acabei de extravasar todo o ódio que tenho de mim. Eu deveria ter morrido, não ela. Eu a matei, eu a traía, eu matei meu filho. Que tipo de homem é você que diz que aprendeu com a canalhice do outro?
– O tipo que vai chegar em casa toda a noite e dizer pra minha mulher: Eu te amo! Você é a única na minha vida. Não preciso de mais ninguém. Você é meu último romance, porque será pra sempre e único. Só preciso do teu amor e mais nada. Obrigado por me ensinar a dar muito mais valor a quem eu amo.  Te devo essa! A propósito… qual é seu nome mesmo?!