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O Nome Não Importa

Sexta-feira. No facebook todos seus amigos faziam posts comemorando a chegada do tão esperado final de semana. As paginas das casas de show que gostava de frequentar, anunciavam efusivamente suas atrações noturnas. Seus amigos insistentemente lhe mandavam sms perguntando “qual a boa de hoje?”, mas pra ele nada fazia sentido. O seu estado depressivamente desanimador, contrastava com tudo que ele tinha vivido até uns dias atrás. “Baladeiro de oficio”, “pegador”, “pé de cana”… Era conhecido por vários adjetivos que faziam dele um cara popular e com certo prestigio com as mulheres.

Mas a ficha caiu. Abriu mão do seu grande amor pra viver na esbornia. Maltratou um coração com sentimentos puros, que o respeitava, independente de tudo o que ele já tinha feito com ela. Existia alguém que o amava verdadeiramente.

Ele não dava o braço a torcer. Tinha que manter uma pose, claro. Uma marra sagaz e debochada. “É disso que a mulherada gosta!”, vociferava pra quem quisesse ouvir.

Mari, uma garota simples, que vivia bem com todo mundo, que tratava quem quer que fosse da mesma forma e não escolhia pessoas para se relacionar. Tinha o dom de acolher a todos que estavam a sua volta com uma ternura angelical, um amor louco, inexplicável até para quem via de fora. Mas havia uma pessoa que ela amava de forma diferente. Ele não era melhor que ninguém e nem merecia um amor especial. Mas seu sentimento era diferente. O melhor amigo desde a infância, virou namoradinho na adolescência, que virou caso serio na juventude e que estava se tornando um estranho qualquer no presente. O cara que mexia com ela de uma forma impar, agora usa outras garotas para se tornar popular, pra tentar de alguma forma se afirmar. E isso provocava nela um contraditório desprezo. Logo ela, que amava sem distinção, sem o peso do merecimento, agora briga consigo mesma para tentar não sentir repudio por alguém. Pensava ser perfeita. E não ser a maltratava aos poucos.

Já havia dois meses que ele terminara com ela. E toda aquela ternura que ela resplandecia, já não exalava mais. Fora afetada pela tristeza e pelo desprezo que sentia por alguém que achava não merecer o seu amor. Na verdade, tudo isso era reflexo do medo de perder um amor diferente. Estava sendo consumida por outro sentimento que não sabia explicar. E resolveu mudar. Resolveu começar de novo. Dar a volta por cima. Procurar outro amor, que não a mudasse, mas que somasse a vida dela e refletisse no amor puro que ela sentia pelo ser humano.

Foi morar no interior. Não teve coragem de contar pra ele que estava se mudando por causa dele. Pelo que a fazia sentir. Ao chegar à nova cidade, conheceu algumas pessoas legais e logo foi convidada para uma festa. Querendo se enturmar, Mari aceitou o convite.

O som da banda tocava alto, as pessoas se divertiam e Mari não era diferente. Era apresentada a novas pessoas e sentia que ali, naquela cidade, ela poderia voltar a ser quem era. Uma pessoa mais humana. No sentido puro da palavra mesmo. E Mari resolveu dançar como se não houvesse amanhã…

E realmente não haveria. Um corre-corre, uma gritaria, uma confusão, uma fumaça e alguns segundos para Mari entender o que estava acontecendo. A casa de shows estava em chamas. Aquele amor puro que ela sentia pelas pessoas, fez brotar em Mari uma força descomunal. Passou por cima de todos e saiu. Respirou ar puro e resolveu voltar. Ajudou várias pessoas a saírem. Umas cinco. Na sexta vez que entrou, não saiu mais. Morreu intoxicada pela fumaça altamente toxica. Não sem antes gritar alto que perdoava aquele cara que ultimamente a fez sofrer. Não sem antes dar uma risada que se não fosse aqueles acontecimentos, talvez outras 5 pessoas teriam morrido porque ela não estaria ali pra ajudar. Se sentiu bem. Se sentiu em paz e partiu.

Foi então que ele, ao ver no jornal a reportagem sobre uma linda garota que ajudou a salvar outras vidas, mas não a sua, reconheceu a foto de Mari e chorou. Se deu conta que havia a feito sofrer. Que desprezava seu grande amor por bobagem. E que agora só viveria em sua lembrança.

E quis recomeçar. Não poderia se dar ao luxo de brincar com o sentimento de outra pessoa novamente. Principalmente de uma garota como Mari.

O relógio marcava 20h. Resolveu deixar a deprê de lado e sair. Ia tentar se divertir. Mas com a certeza de naquele dia ele iria recomeçar. Se conscientizar de que o mundo não gira em torno dele. Resolveu que iria se inspirar na pessoa que Mari um dia foi. Aquela que o que importava era amar. Seja lá quem fosse. E entendeu a profundidade dessa palavra e tudo o que ela carregava. Lembrou-se de uma música: “Só o amor faz a gente crescer. Faz valer o risco, faz compreender que sem amor nada tem valor, nada tem sentido e qualquer sacrifício vai pro lixo!”

O nome dele? O nome não importa. O que importa é a reverberação do calor do amor através da pessoa que dali pra frente ele resolveu ser.

Microcontos #1

Cafeína!
O frio batia a porta. A lareira não era o suficiente. O vazio no peito amplificava a geleira do seu interior. Todo arrepiado pelo sentimento e o clima gélido, só restava uma alternativa. Um café bem quente pra aquecer a alma.

Puta alegria
O ambiente era propício. A cia também. O tom maior que ecoava do banjo, cobria a sensação de que dos males, ele era o menor. Se a música era inédita pra ele, o sentimento não. Estampado em seu rosto havia, uma puta alegria pela sensação de liberdade, que as baladas de um amor inabalável insistiram em esconder. Sem explicação.

Porta retrato.
Estava decidida. Insistir não adiataria nada. Acreditava que ele sentiria falta. Ledo engano. Pra ele, ela não passava de uma ilustração emoldurada, com a certeza de que era apenas para enfeitar sua estante.

Jovem Sonhador
Juntar 1 milhão de reais. Era o único objetivo da sua vida. Faria tudo para realizá-lo em tempo útil. Útil para poder passar o resto dele torrando de qualquer maneira.

É proibido amar
Calejado, colocava a culpa no amor. Se culpava por amar demais. Se pudesse voltar ao tempo jamais se daria ao direito de amar. A proposito, faria isso a partir de agora. No jogo da paixão, amar era proibido. Nunca mais. Pelo menos por enquanto!

Sem você
Ao virar a esquina percebi meu grande erro. Te ver partir era aflitante. Diferente da sensação de alívio que eu acreditei sentir. Amargo era o gosto do seu amor. Doce é a saudade que você deixou!

Por Raphael de Paula Garcia
@phields

O dia amanheceu cinza. Pela primeira vez não acordava com os raios de sol entrando por sua janela. Havia dormido muito tarde no dia anterior. O sono e o tempo nublado desanimaram Victor. “Mais um dia estressante!”, lamentou ele.

30 minutos se passaram desde que Victor acordara. Um banho quente, um suco de laranja e um misto. Estava pronto pra encarar a rotina. “Livro ou MP3?”. Já prevendo a demora rotineira pra se deslocar de casa para o serviço, qual seria sua companhia era a dúvida que pairava no ar. Olhou mais uma vez pela janela e concluiu que ler no estado em que se encontrava, era um calmante que o faria dormir.

No ponto de ônibus o desafio era escolher o que escutar. O aparelho abarrotado de musicas de sua preferencia era manuseado sem dó. “Uma musica que combine com o clima ou uma musica pra tentar alegrar o dia que parece ser complicado? Moveis Coloniais de Acajú! Ta escolhido. Começando por “Descomplica” pra me animar a encarar o dia. É isso!”

Quem estava ao seu lado percebia a boa escolha. Victor sacolejava o corpo de uma forma que ele achava que ninguém perceberia. Enganado por si mesmo e viajando na música, esqueceu de todos a sua volta e começou a cantarolar a música: “Sem ter luz ou luar, seja o brilho que for te guiar só pra cá meu amor…”

O ônibus virou a esquina. Parecia um milagre que não estivesse tão cheio assim. Procurou se acomodar no fundão, já que desceria no último terminal. Ao caminhar pra lá notou um lugar vazio. Se apressou para assentar sem perceber quem estava acomodado ao seu lado. Após se ajeitar na poltrona ficou estasiado pelo perfume envolvente que encontrava suas narinas. Como numa cena de filme, os olhares de Victor e de uma delicada garota se encontraram. Os olhos dele pareciam pulsar ao notar o belo olhar da garota ao seu lado. Os lábios carnudos, os cabelos negros e lisos e a pele reluzente com um tom de palidez sobrenatural. Encantado, Victor demorou a retribuir o sorriso vindo por parte da garota. Balbuciou algumas palavras que não encontraram os ouvidos dela, pois também estava a escutar alguma coisa em seu aparelho celular.

Victor olhou pra si. “Seria indelicado ficar 30 minutos sem ao menos tentar um papo ou o sorriso dela pra mim foi apenas gentileza? Quem era ela? De onde ela surgiu?”

Sem saber o que falar, e recolhido em sua timidez, decidiu nem abrir a boca. Uma infinidade de coisas passava por sua cabeça. A maior delas era saber o que ela estava ouvindo. O vício em musicas era exagerado ao extremo, fazendo com que ele taxasse uma pessoa pelo seu gosto musical. “É o cumulo do preconceito!” Reconhecia. Essa mania aliada a sua timidez afastava Victor das pessoas. “Ela tem cara de quem curte Britney Spears. Lady Gaga talvez? Madonna? Amy Whine House?! Menos mal se fosse Adelle. Mas ela pode gostar de musica brasileira. Olha a sandália dela? Se tivesse de saia rodada e uns penduricalhos artesanais pelo corpo eu chutaria o Los Hermanos ou a Maria Rita, sei lá. Nossa já pensou? Ela seria perfeita. Compreenderia meus lampejos musicais “a lá Marcelo Camelo.” Mas essa saia Jeans nem longa nem curta desmistifica isso. Será que é Wanessa Carmargo? Kelly Key? Nossa, mas fazer o quê, ninguém é perfeito né. Ela também não! Se fosse Ana Cañas, Maria Gadu ou até Maria Betânia não seria nada mal. Sofisticado até. Mas que merda! Por que eu tenho essa mania? Que coisa besta associar a personalidade de uma pessoa as coisas que ela escuta? Nem passa pela minha cabeça o funk. Será? Será que ela esta ouvindo aquele grupo que meu vizinho escuta, como é mesmo o nome? Ah é, Gaiola das Popozudas. Meu Deus. Seria um pesadelo. Pelo menos assim quem sabe seria mais fácil leva-lá pra cama.”

Tinha certeza que toda mulher que se entregava a tribo do funk era mulher de vida fácil para os caras. Mesmo tendo ouvido de muitas pessoas que isso é preconceito, e que não é bem assim, Victor não conseguia compreender o gosto musical das outras pessoas. “Todos deveriam ter o mesmo gosto musical que o meu. Aí sim saberiam o que é música boa.”

Olhou de relance para ela e percebeu que estava mexendo no aparelho. “Deve ta escolhendo outra musica. Olha a fixação dela pelo aparelho. Vai colocar sertanejo. Certeza. Nossa deve ser daquelas melodramáticas ao extremo que chora por um amor do passado até hoje. E ele pisa nela. Deve chorar e ligar pra ele o dia todo. Se ao menos o celular dela tocasse eu descobriria pela musica do toque o que ela gosta. Seria NxZero? O rímel nos olhos talvez seja uma amostra da faceta EMO que ela tem medo de mostrar. Se fosse EMO não sorriria pra mim. Choraria falando que iria se matar. Credo! Mas como eu sou pessimista. Quem sabe ela ta ouvindo chico? Vish, mas qual Chico? Se for o Science ela deve ser daquelas que antes de dormir da um tapa no baseado, alegando a liberdade para todos. Na maior vibe aí.” Viajando em seus pensamentos, Victor nem prestava atenção mais em qual musica seu aparelho tocava.

“Meu Deus, devo perguntar o que ela ta ouvindo? Ela encostou a cabeça no vidro agora. Vai chorar. Será que ela ta ouvindo rock? Se for, com essa cara é Silverchair. Ela vai chorar jajá! To quase oferecendo meu mp3 a ela emprestado. Assim ela analisaria o que eu gosto e poderia se empolgar comigo… ou não! Ela nem ta prestando atenção em mim. Eu to ficando maluco. Mas pensa bem, maluca deve ser ela. Deve ta ouvindo Lu Alone ou Restart. Com essa cara de choro é certeza.”

– Com licença?
– Toda

A garota se levantou e se despediu com um tchau tímido
Victor sem reação não disse nada e apenas acompanhou a caminhada da garota até ela descer do ônibus Victor se sentiu um incapaz. Olhou pro relógio e percebeu que se passaram 20 minutos de martírio pra tentar descobrir o que ela ouviu. Talvez um “Oi como vai” resolve-se tudo e agora, ele estaria indo pro trabalho com o telefone de uma garota linda. Mas a mania besta de avaliar as pessoas pela musica que ela ouve o fez perder uma grande oportunidade.

A maior delas? Descobrir que aquela garota vai além do som que aqueles fones ecoam.

Geração twitter

Escrevi esse texto ano passado. A ideia era ser só um roteiro pra um curta que eu iria apresentar em um debate que tinha o título “QUAL A SUA IDENTIDADE?”. Na epoca por várias questões não rolou. Dei uma adaptada no texto e vou publicar aqui. É isso. Obrigado!

——

Amanhã eu faço 20 anos.
Acho que estou ficando velho.
Faz três dias que estou pensando na minha vida, em tudo que vivi saca!
Que saudades do Léo, do Neto e do Jaime. A gente formava o quarteto fantástico. Nós só tínhamos 10 de anos de idade, mas a gente tocava o terror no colégio. Implicava com todo mundo por diversão! As menininhas nos achavam o maximo, mas o maior prazer era esnobá-las. Minha vida era a diversão com os meus amigos. Futebol, corrida de bike e até tentar andar de skate. O que eles faziam, eu tava dentro.

Passou um tempo e troquei de escola. Minha mãe queria que eu estudasse. Achava que junto com os meus brothers eu só ia malandrar. Na escola nova fui andar com os CDFs. Ia na onda deles e estudava pra caramba. Não queria saber de nada, só de estudar. Minha mãe queria que eu fosse um analista de sistema. – Computador da dinheiro! Dizia ela. Só que eu não tinha vocação pra ser NERD. Adorava os eletrônicos, mas nunca quis saber como eles funcionavam. Mas eu me esforçava. Só que aquele ali não era eu. Ali era o filinho da mamãe! Eu não queria ser o que ela queria que eu fosse, ora!

Até que eu conheci a Marcela. Moreninha, cabelo cacheado, olhos verdes. Linda de doer. Me apaixonei a primeira vista. Ela era toda descolada saca, era alegre, gostava de dançar, de fazer compras, de sair com as amigas; só não gostava de NERDS. Ela achava todos eles idiotas. E daí que ela era aquele tipo de garota que só ia na escola a passeio? Ela era linda. Fui me aproximando dela. A cada dia que passava a minha motivação em ir pro colégio crescia. Eu tinha encontrado a matéria perfeita pra eu estudar; a marcela virou o meu assunto de pesquisa favorito. Começamos a namorar. Agora sim eu estava realizado. Agora sim eu me sentia eu. Namorava uma garota linda, não era mais o filinho da mamãe. Era simplesmente eu. Foi ai que meses depois, descobri que ser eu, naquele curto espaço de tempo, era ser o brinquedinho da marcela. Minhas notas despencaram, eu não dava mais idéia pros meus amigos. Eu bebia, respirava e vivia o que a Marcela queria que eu vivesse. Ela mudou meu estilo de vestir, as musicas que eu escutava, até os programas de TV que eu curtia abandonei por ela. Eu só conversava com quem ela queria. Eu estava perdidamente apaixonado. E eu pensando que aquele sim era eu. Ledo engano. A marcela me trocou meses depois por um carinha que era do time de basquete do colégio. Foram dias terríveis. Estava prestes a fazer 15 anos. Estava de recuperação na escola, não conversava com meus amigos, odiava a vida que vivia por causa dela e não tinha mais minha namorada!

Lembro até hoje. Era sábado, tava um frio de doer, pensei no que minha avó sempre me dizia e tomei uma decisão: Vou entrar pra igreja. Foram dois anos pra não ser esquecido. Dos meus 15 aos 17 anos. Logo que entrei me encantei com o louvor. Eram momentos delirantes. Rapidamente aprendi tocar violão. Eu precisava fazer parte daquele grupo. Eu tinha certeza: Agora sim, encontrei meu lugar. Em pouco tempo eu era considerado o menino prodígio do louvor. Virei o pupilo do líder. Ele dizia que eu iria substituí-lo, que eu havia nascido para aquilo. Claro, eu adorava. Todos na igreja falavam comigo. As pessoas me veneravam. As menininhas caiam matando em cima de mim. Nos retiros então eu fazia a festa. Era uma namorada em cada um. Aquele sucesso todo na igreja subiu a minha cabeça. Eu comecei a menosprezar as pessoas; me considerava intocável. Quase um Deus. Selecionava meus relacionamentos pelo grau de importância que cada um tinha na igreja. Humpf, até parece que um moleque como eu pode definir quem é mais importante pra Deus. Durante dois anos eu fui um otário. Tentei superar as frustrações da minha curtíssima vida me escondendo atrás da religião! Novamente eu não me reconhecia. Aquele não era eu.

Há quase três anos minha avó morreu. Me revoltei com Deus. Sai da igreja. Achava que ele não tinha o direito de permitir que eu sofresse. Eu tinha só 17 anos. Achava que eu era alguém. Eu estava completamente frustrado. De que adiantava tudo aquilo se eu não tinha mais aquela pessoinha que sempre acreditou no Conrado do bem que existia dentro de mim. Eu realmente amava a minha avó. Mais uma vez minha vida perdeu o sentido. O que seria de mim sem ela? Ela que viveu com a minha família desde que eu tinha dois anos de idade. Como são as coisas. Minha avó sempre quis que eu servi-se a Cristo. Eu preferi me converter à igreja; precisava fazer parte um grupo e pra mim Deus nunca teve importância. Quanta tolice a minha.

Daquele dia em diante eu não era ninguém. Conrado Albuquerque de Sousa. 17 anos. Ninguém. Eu não era ninguém. E continuei a não ser por mais algum tempo. Qualquer coisa fazia minha cabeça. Conheci uma rapaziada no colégio. Todos eles repetentes do ultimo ano que nem eu. E todos eles igual a mim. Um deles me ofereceu droga. Dizia que era pra relaxar. Pra esquecer as feridas dessa vida. Pra esquecer de mim. Eu nunca tive personalidade. Pra mim tava bom demais ser mais um.

Um dia eu cansei. Decidi que eu iria começar tudo de novo. Em memória a minha avó. Em consideração a minha mãe. Mas agora sim seria diferente. Eu decidi ir atrás do meu próprio EU. Olho pro Léo, pro Jaime e pro Neto. Todos eles já decidiram o que vão ser da vida. Estão correndo atrás e eu estou aqui, tentando recuperar o tempo perdido. Eu dou moral pra eles. Esses realmente são amigos. Toda vez que eu fui um babaca, eles nunca viraram as costas pra mim. Eu devo todas as desculpas do mundo a eles.

Amanhã… Amanhã eu faço 20 anos. Os meus únicos amigos estão fora da cidade, cuidando da vida deles. E eu? To aqui, tentando me encontrar. E no meio de toda essa lembrança, to revoltado porque adiaram o ENEM. Estão fazendo a gente de palhaço. Precisamos fazer algo! Outro dia li na internet que antigamente uma multidão de pessoas queria mostrar ao mundo, a identidade da geração deles. Eles queriam paz e amor, e se manifestaram num festival de musica. Lembro também que vi nas aulas de historia a manifestação de um povo pelas Eleições direitas no Brasil. Agora chegou à hora da minha geração, fazer algo. A minha vida reflete a minha geração. Somos apenas o que os outros querem que sejamos. Só queremos nos dar bem e curtir. Mas agora tudo vai mudar. Já estamos todos unidos, prontos pra lutar por aquilo que nós queremos. Aproveitei a raiva pra desabafar aqui no blog. Agora eu vou nessa porque a manifestação vai começar e quem fez essa palhaçada com a gente eu vou xingar muito… No twitter! Sério!

Porque não eu?

– Rock’n roll baby!
Eram 03h30m da madrugada e Terence encerrava o show da sua banda. A platéia, pouco mais de 150 pessoas, gritava a espera de um bis. A banda já estava esgotada. 2h de pura energia, guitarras distorcidas, gritos descontrolados e efusivos vindo de todos os cantos. O PUB estava lotado. Os “DogsBrothers” haviam emplacado de vez. Terence atingia seu sonho de criança. Era lançamento do CD debut da banda. O show era apenas para convidados selecionados através de campanhas no Orkut.
– Água?
– Vodka, por favor.
– Ta animado em Terence?!
– Muito, você não tem idéia. Cadê a Clara?
– Não sei não a vi por aqui hoje.
– Estranho, ela me ligou eu estava entrando no palco. Disse que estava na porta e que ia curtir o show com umas amigas.
– Ela não passou pelo bar.
Clara era a paixão de Terence. Desde que ele se mudou da sua pacata cidade no interior de Minas para tentar a sorte com a música aos 16 anos na cidade grande, nunca conheceu ninguém como clara. O curioso é que Clara era uma morena dos cabelos cacheados. Seu nome não traduzia o que se via. De estatura média, curvas perfeitas, cabelo liso, olhos castanhos, como uma índia. Parecia que fora esculpida. Era perfeita. Mas Clara considerava Terence apenas um amigo. Ficava toda feliz por saber que um cara como ele era apaixonado por ela. “Um cara singular como você não se encontra todo dia”, dizia ela. Mas ela não dava o braço a torcer. “Você é um grande amigo Terence”. Enfatizava Clara. Mas Terence não se dava por vencido. Os amassos de vez em quando não eram suficientes para deixá-lo satisfeito. Ele queria mais. Queria que ela fosse a mãe dos seus filhos. Nem o fato de Terence ser o “frontman” de uma banda que despontava rumo à fama e um futuro musica brilhante, de ter olhos verdes, ser muito estiloso e arrancar suspiros de algumas adolescentes fazia Clara mudar de idéia. Ela gostava do cara simples que conheceu na padaria ao lado da sua casa, com cara de perdido, sem saber o que fazer, tomando um suco de laranja e olhando pro nada apenas para espairecer.
– Que onda, o celular dela ta desligado. Onde essa mulher se meteu?
A possibilidade de estar se divertindo com outro cara ecoava na mente de Terence. Não queria crer que isso era possível. Mas isso era muito provável. Clara era livre pra fazer o que quiser. Sempre aceitou isso, mas não digeriu jamais.

“Viver sem você aqui…”

Terence acordou assustado. Seu celular tocava insistentemente.
– Alô Clara?
– Me ajuda, por favor. Anda Terence me ajuda, por favor. Preciso de você aqui. – Berrava Clara do outro lado da linha.
– Calma Clara, cadê você? Fala comigo!
– Me ajuda… – Chorava. – To na Alameda das Palmeiras…
– Fica ai que chego em instantes.
Pensou em chamar um Taxi, mas as 5h da manhã não avistava nenhum pela frente. Percebeu que tinha dormido no sofá do camarim do PUB, tentando ligar pra Clara. Saiu correndo em disparada. Tudo passava pela sua cabeça. Nada concretizava de fato. Foram 15 minutos de muita correria, suor, apreensão e lagrimas. Clara era o amor da sua vida, não iria se perdoar se algo acontecesse a ela.
Encontrou Clara caída na esquina. Seu rosto sangrava, sua blusa estava rasgada. A face pálida e ensanguentada de Clara não embaçava sua beleza. Ligou pra uma ambulância enquanto ela balbuciava algumas palavras:
– Foram eles… Foram os…
– Foram quem clara? – quase nada se ouvia.
O silencio da madrugada era apavorante.
– Fala Clara? Fala comigo, por favor…
Clara tentava, mas acabou desmaiando.
– Terence, Terence…
– Oi meu bem…
– O que aconteceu?
– Você está bem?
– Não me lembro de quase nada.
– Quem fez isso com você?
– Quer mesmo saber?
– Não vou deixar barato com quem fez essa sacanagem com você…
– Mas e o seu sonho?
– Que sonho?
– A banda…
O esforço de Clara para falar é nítido…
– O que tem os caras?
– Foram… Foram… Eles!
– Oi? Clara, dorme, é o remédio, você esta variando.
– Não, não estou.
Clara dormiu novamente. O silencio daquele quarto de hospital cortou a alma de Terence. O que tinha a banda? Quem fez isso com Clara? Perguntas sem respostas invadiam sua mente.
Já fazia mais de 15h desde que havia encontrado Clara caída no chão. Sequer arredou o pé dali. Queria ter a certeza de que Clara estava bem.
– Você está bem Clara?
– Agora sim. Já estou bem melhor. Meio dolorida ainda. Que horas são?
– 21h10m.
– Você esteve aqui o tempo todo?
– Não arredei o pé.
– Você é um amor.
Um sorriso acanhado surgiu nos lábios de Terence.
– Tem uma coisa que você precisa saber. Eu o e Marcos estávamos tendo um lance.
– Como é que é? Você estava saindo com o baterista da minha banda as escondidas? Por que isso agora? Você sabe que sou louco por você, nunca te escondi isso, e sempre aceitei suas escolhas por te considerar uma amiga, e você saindo com um cara que se dizia meu amigo, que ouvia meus lamentos por você, que sabia muito de você por minha causa, e que se aproveitou disso, tudo as escondidas de mim? Porque isso agora? Os 2 me fazendo de otário enquanto eu me declarava pra você e lamentava mais uma tentativa frustrada com ele, e vocês dois se pegando?
– Não fala assim Terence. Rolou apenas isso. Quando a gente viu já estava envolvidos. O pior não é isso…
– Vocês transaram?
– Antes fosse…
– O que é então? – A fúria de Terence era nítida em seus olhos. A raiva pulsava em seu peito. Sentiu-se o “último biscoito do pacote”, mas ainda sim não conseguia odiar Clara.
– Depois do show, o encontrei e com os meninos da banda na porta. Entrei na van, e fomos dar um role. Perguntei por você e eles disseram que você iria demorar, pois estava acertando o cachê do show e agendando um próximo. Dando entrevistas, essas coisas que você adora fazer. Fomos ao Wakasan, tomar umas. No meio do caminho eles pararam o carro. Era nítido que estavam muito drogados. Marcos tentou tirar minha blusa, não deixei, quando percebi todos os 4 estavam em cima de mim. Me xingavam e diziam que eu você era um gay, por esperar por uma garota por tanto tempo. Falaram que iam me fazer de objeto deles. Tentei me defender. Eles me espancaram e tentaram. Ai um cara caiu de moto ao lado do carro. Eles se assustaram me jogaram para fora e foram embora. O motoqueiro estava bêbado, nem me viu, se levantou e foi embora. Te liguei e o resto da historia vocês já sabem
Terence ouvia tudo aquilo incrédulo. Não acreditava que os caras que ele queria passar o resto da sua vida musical fossem canalhas a esse ponto.
– Acabou. To fora. Não quero viver de música nunca mais. Isso acabou com a minha vida. Faz 3 anos que não vejo minha mãe. Meu pai nem olha na minha cara. Ele não acreditava em mim. Tudo o que estava acontecendo era uma resposta a ele. Ia mostrar que eu podia. Ele iria se aproximar de mim novamente e reconhecer que estava errado. Mas agora já era. Eu não acredito mais no mundo. Ninguém aqui presta. Tudo farinha do mesmo saco.
– Não fala assim… – interrompeu Clara.
– Falo, falo. Quero se que foda todo mundo. Eu me perdi em você Clara. Você atraiu meus amigos mais sacanas. Traiu minha amizade. Não deu valor ao meu amor. To sozinho de novo. Vá pro raio que o parta!

O metrô estava lotado. – Devia ter ido de taxi – não podia se atrasar. Que oportunidade. Terence lembrava como o mundo deu voltas em 3 anos. Desde que tivera aquela briga com Clara, o rompimento com a banda, o sucesso jogado fora, o dinheiro perdido e os perrengues pra se sustentar, aquela era sua melhor oportunidade.
– Como será que ela está? – Lembrava com saudades de Clara. Mas seu orgulho não o deixava se aproximar. Nunca mais a viu.  Os “DogsBrothers” continuaram a banda. Outro vocalista assumiu. Eles venceram um festival após perder o contrato com a banda, mas o escândalo de uma nova tentativa de aventura sexual ilícita fez com que a banda perdesse ibope.
– Alô você que está ligadinho na 97,5 Mix FM. Eu sou Josi Tibet e estou aqui para apresentar a parada musical mais bombante das suas manhãs. E com uma presença ilustre no quadro “Eu aposto”. Fique agora com a nova canção do Foo Fighters que eu já volto.
– Bom Terence a parada é simples. Vou te fazer algumas perguntas e pedi pra que você toque algumas musicas com seu violão. O telefone o e-mail estarão abertos para quem quiser participar ok?!
A saudade de Clara nunca esteve tão latente como naquele dia. Sempre quis a procurar, pedir desculpas por ter sido tão rude com ela. Mas teve medo de ser rejeitado.
– Galerinha do bem, hoje eu estou aqui com Terence Bastos. Lembram dele? Ele foi o primeiro vocalista dos “DogsBrothers”. Talentosíssimo. E aí Terence, ninguém sabe ao certo porque a banda terminou depois que vocês fizeram aquele sensacional show de lançamento do CD. Fala um pouco para nós.
– O relacionamento da banda não era o mesmo. Não rolava mais cumplicidade ali. Tudo daria errado se continuasse. A pressão era grande. Eu precisava de um tempo, e foi o melhor caminho a ser seguido.
– Ih que resposta extremamente política a sua. Falou, falou, falou e não falou nada. Mas tudo bem deve ser algo que te incomode falar. Mas diz ai, por onde tem andado?
– Eu parei com a carreira depois que saí da banda. Precisava de um tempo mesmo. Voltei pra casa na minha terra natal, reencontrei a família, antigos amigos e busquei forças novamente pra recomeçar. Já fez 3 meses que voltei, to fazendo alguns barzinhos e ta sendo legal a receptividade da galera que me conhecia antes. Agora é um “violão e algumas canções pra mostrar”.
– Você tem alguma musa inspiradora?
– Tenho sim. Na verdade ela é a maior responsável pela minha volta. Ela que sempre me apoiou aqui na cidade grande. Eu não podia desistir. Faz muito tempo que não a vejo. Espero que ela esteja bem.
– Pode falar o nome dela?
– Se importaria se eu não dissesse?
– Fique a vontade. Bom temos a primeira ligação. Alô, quem fala?!
– Alô.
– Qual seu nome e de onde fala?!
– Posso falar com o Terence?
– Mas a ligação é justamente pra isso, só que nos queremos te con…
– Eu queria te dizer que eu sempre te amei.
Aquela voz não era estranha. Terenceu gelou por dentro. Amanheceu pensando nela, as primeiras perguntas da entrevista tinham ligação com ela, à saudade apertava cada vez mais. Parecia um toque de telepatia. Era ela. Tinha certeza.
– Eitaaa, mais uma daquelas fãs declaradas que…
– Me perdoa. Eu precisei te perder pra poder ter certeza que sempre foi você. Eu te esperei por todo esse tempo. Lembra da musica que você fez pra mim? “Onde você estiver meu coração vai estar, batendo por você, sempre a te esperar”. Ela traduz o que eu quero dizer.
– Espera ai que não to entendendo nada. Ela liga pra cá e faz uma declaração de amor, como se conhecesse o cara, ele aqui do meu lado sem expressão, incrédulo e… chorando?
– Eu sei que errei, mas ainda da tempo de consertar. Eu quero consertar.
– Eu também te amo Clara. Sempre te amei você é tudo pra mim. Eu sonhava com o dia que te encontraria de novo. Mas onde você está?
– To morando no Rio. Escutava essa radio sempre quando morava em São Paulo. Não sei o porquê, mas hoje deu saudades de casa, e resolvi escutar pela internet pra me sentir um pouco mais próxima daí. A minha surpresa foi ouvir você na radio, dizendo que está de volta. Te procurei por meses e não te achei. Estou muito feliz, vou pedir demissão do meu emprego e estou indo pra casa agora. Não dá pra viver longe de você.
– Não vejo a hora, to te esperando… Sempre estive… E estarei o quanto for preciso!

Uma bebida e um amor.

– Por favor, 2 doses de whisky, sem gelo.
– Ta esperando alguém?
– Antes estivesse… Faz o seguinte, da logo a garrafa de uma vez.
– Eta, isso tudo é fossa? Dia dos namorados, sozinho…
– Antes fosse. Mudei de idéia, gelo, por favor.
– Seu pedido é uma ordem senhor. Mais alguma coisa?
– Queria ela de volta… Apenas isso!
– Hum, mas existem tantas outras por aí?!
– Não como ela; não mesmo.
– Você a amava neh?!
– Como nunca amei outro alguém. Todo dia dos namorados era a mesma coisa. Trocávamos chocolates, já era tradição. Depois a gente saia, pegava um cinema, um barzinho, musica ao vivo, beijos apaixonados e uma noite de amor que nunca tive igual. Detesto rotina, mas a dela era adorável.
– Primeira vez que passa sem ela?
– Segunda. E mais uma vez, comi chocolate sozinho, fui ao cinema sozinho, to enchendo a cara sozinho, depois de bêbado, vou escutar qualquer porcaria e ter uma noite de amor com as minhas mãos. Tudo em homenagem a ela.
– Mas porque ela te deixou?
– Ela morreu!
– Lamento.
– Relaxa.
– Mais uma garrafa?
– Já acabei com uma?
– Sem ver…
– 2 garrafas me tirariam a culpa?
– Culpa?
– Eu a matei!
– Hum?!
– Faz dois anos exatamente. Rotineiramente após nos amar, eu bebi de uma forma exagerada. Tava com um peso na consciência enorme. Eu tinha outras. Há três meses eu a traía com várias. Estava mal, me sentindo um merda, e ela dizendo que me amava. O álcool foi meu escape naquela noite pra manter o fingimento. Saímos do motel, ela estava radiante, disse que a rotina de 10 anos sofreria uma mudança drástica. No próximo ano as coisas não seriam mais da mesma forma. Eu surpreso não entendia nada. Por que ela guardava tanto segredo e fazia tanto mistério? Ela queria chegar em casa pra me dar o maior presente que um homem poderia receber. Por dentro eu queimava de remorso. Na noite anterior eu mentia pra uma outra qualquer, enquanto ela satisfazia meus desejos carnais absolutamente controláveis. Mas não, a sensação de estar no erro me causava uma adrenalina excitante. Estava ficando “viciante” aquilo tudo, e eu sem perceber estava perdendo o que mais importava pra mim: Ela! Filho da puta. É isso que eu fui. Eu a amava, eu sabia disso, mas naquela noite não tive coragem de dizer isso pra ela. Num misto de culpa, arrependimento e álcool, não percebi e avancei um sinal. Bati forte em uma carreta que atravessava o cruzamento. Ela morreu na hora. Eu apenas quebrei o braço. Mas minha alma estava destruída ali. Morreu com ela. Eu a matei.
– Mais bebida senhor?
– Ela estava grávida.
– Putz…
– Essa era a surpresa. Canalha filho da puta.
Um mórbido silêncio invadiu o boteco. Ele era o único na Cia do dono do bar.
– Quanto deu?
– A de hoje vai ser por conta da casa. Aprendi muito com você.
– Como?! Acabei de extravasar todo o ódio que tenho de mim. Eu deveria ter morrido, não ela. Eu a matei, eu a traía, eu matei meu filho. Que tipo de homem é você que diz que aprendeu com a canalhice do outro?
– O tipo que vai chegar em casa toda a noite e dizer pra minha mulher: Eu te amo! Você é a única na minha vida. Não preciso de mais ninguém. Você é meu último romance, porque será pra sempre e único. Só preciso do teu amor e mais nada. Obrigado por me ensinar a dar muito mais valor a quem eu amo.  Te devo essa! A propósito… qual é seu nome mesmo?!